quinta-feira, agosto 11, 2005

A Verdade Absoluta

A verdade é que me sinto completamente só e incapaz de acreditar na minha capacidade de viver. Tornou-se um processo receoso, este de respirar e ser entre outros personagens que exigem de mim uma interacção para a qual não me sinto minimamente qualificado. A exigência de transferências emocionais deixa-me mínimo e a única coisa em que realmente acredito é na menoridade. Chumbo repetidamente os pequenos testes que o existir se me propõe e decido-me, como força maior, a subsistir apenas em lugar de viver.

Existo agora para ser apenas transparência, cada vez menos denso, necessariamente menos substancial. É na transversalidade desta tendência para zero que encontro a medida mínima para estar sem ter que querer morrer. A busca, agora maníaca e insistente, procura apenas subtracção e linearidade por aí se reduzir o real espaço e tempo de intersecção de almas. Sigo um corpo cada vez mais distante da esfera dos outros deitando fora o lastro do espesso ser que me permite aproximar do nada em que terei menos que ser. Há que reduzir a alma a uma erva moribunda e permitir que exista apenas nos interstícios da solidão. Cinzenta, baça, uma massa porosa incapaz senão de endurecer, secando ao ar da dor de não conseguir estar com vocês. Transformam-se assim as perdas da existência, as oportunidades todas que me deram de ser, das quais fugi por não ter coragem de me assumir como personagem activo, e dizer:- eu sou, eu estou -, no próprio objectivo de ser cada vez menos.

Uma patologia de existência verdadeiramente estrutural e vertical, que impede que se tome qualquer tipo de atitude correctora contemporânea ao ser quotidiano, que não se compadece dos ritmos e compromissos de uma vida já construída. A reestruturação do ser pede essencialmente que destrua, com um controle tão preciso quanto fatal. A necessidade de um domínio completo de toda a rede de circunstâncias que compreendem a vida de um. É uma demolição paradoxal, que exige que destrua o esqueleto mental e emocional de mim próprio sem que, essencialmente, no processo se perca a ideia primordial do que sou. Onde vou poder encontrar uma dimensão tão etérea e ao mesmo tempo tão segura do que sou? Parece mais que esta construção de um ser com o qual não estou de acordo é inevitável em mim, como se tivera que aceitar, agora, que, para sempre e até ao limite da vida, tenho de me enfrentar quotidianamente nos reflexos físicos, mentais e emocionais que o mundo exterior me oferece.

Pergunto-me, se reconheço a besta que há em mim não haverá um resto de humanidade nos olhos que me salve deste destino de não ser suficiente? Não encontro uma centelha que seja que me responda. Não encontro uma centelha, de todo, nos meus olhos cada vez menos idênticos, cada vez mais sáxeos, sem capacidade de cultivo, sem capacidade para ser Homem. Neste conflito tenho apenas de reconhecer aquilo que se me apresenta como uma inevitável certeza: - Ser mais besta que homem - e se quero encontrar um nicho de tranquilidade que seja no tempo que me resta de sobrevivência, devo aceitar aquilo que sou mais, escolher por onde sou mais forte, retirar a personalidade conflituosa menor que contamina e confronta a vida.

Calça luvas esterilizadas, respira profundamente, abre o peito negro e retira aquela pequena pedra de humanidade. A besta vive agora pacificamente consigo mesmo…

Esta será, sempre, a verdade absoluta…

Palermo, 27 de Outubro de 2003

Porto, 11 de Agosto de 2005 (Revisto)

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