
[Il Postino]
[Este filme porque Mário Ruoppolo, protagonista, gira em volta dos três títulos, Artista, Amante e Herói… E porque o actor Massimo Troisi morreu pouco depois sendo este o seu último filme e encaixa também nesta categoria daqueles que sobrevivem à morte…]
Minúsculo ensaio sobre Artistas, Amantes e Heróis: crença, exteriorização, exposição e ridículo
Devo confessar que a génese deste texto surge de uma angústia silenciosa que me maça faz algum tempo. Tem-me corrompido o contentamento sem que me apercebesse, mas hoje fez-se notar e clarificou-se: nenhum dos epítetos do título me serve. Isso desgosta-me, é normal, por equacionar e provar, além qualquer indício de dúvida que me ilibasse, que sou banal.
Restou-me perceber o que faz dos outros melhores e aquilo que gostava de ter sido ou poder vir a ser, apesar da evidente impossibilidade.
Artistas, Amantes e Heróis: juntei-os hoje pela primeira vez na minha cabeça como sujeitos e agora parecem-me indissociáveis. Espanta-me como pude deixar que andassem tanto tempo separados no meu glossário privado – os verdadeiros de cada um são sempre todos ao mesmo tempo. Os outros tipos são banais, esgotam-se sem serem realmente coisa alguma e quando morrem não são nada e por isso antes da morte também não.
Artistas, Amantes e Heróis partem de um princípio base que os unifica: o ego nu – a essência do ser. O Homem despido dos pormenores, pleno como um Adão por envergonhar-se. É a honestidade bruta que nos afronta. É a verdade humana, a sinceridade íntima do sujeito que se quer revelar: ser-se o Eu plenamente e ser único assim, afinal, ser-se o que se é. Para Artistas, Amantes e Heróis essa é a matriz, sem soluços ou gaguejares: sem desculpas.
Assenta esse Ser único e admirável num quadrinómio genésico: Crença, Exteriorização, Exposição e Rídiculo.
Começa todo o processo na Crença, na a capacidade de acreditar em algo como verdade incontornável: a ideia reveladora - a carne e o verbo. Saber acreditar em algo como motor daquilo tudo que fazem e são, descobrir, dentro do seu ser, os paradigmas e ideologias que lhes permitirão agir, operar, mudar… Ter uma matriz operativa absoluta. As verdades absolutas que fazem de cada um deles reconhecível como único e original: Artistas, Amantes e Heróis.
A Ideia não existe dentro de um só, depende para sobreviver da sua Exteriorização: de uma capacidade sintática, de ordenação e articulação da ideia, depende da frase: a conjunção da carne com o verbo… A verbalização. Sem esta capacidade de formalização a crença definha dentro de nós e serve nada: como amar e não ser capaz de tocar…
Penúltimo passo, a Exposição: o Mise-en-scène, a actuação da ideia, o agir conformado à crença. Ser capaz de expor aquilo que criou, tomar a responsabilidade de o confrontar com os outros, à crítica e à crença dos outros… este é o momento da coragem que os distingue dos restantes. Aquela vontade indómita que os impele a enfrentar, munidos apenas do seu ego e crença, o resto da rede social e humana que os rodeia. Belos loucos…
Finalmente o Ridículo, o temível ridículo e o confronto com a banalidade, com a normalidade: a nudez do eu diante dos outros. Paralisante e aqui só seguem os que realmente são, e acreditam que são. Estão nus e expostos aos outros, sempre ridículos aos olhos de quem não se sente e seguem só porque por detrás dessas cabeças desprezíveis, jocosas por ignorância, vêem uma meta sublime e cheia de poesia. É lá que estão escondidas a mais miserável tristeza e a mais transcendente felicidade: em suma, por detrás dessa barreira de caras banais e iguais a nada estende-se a vida vivida como deve ser: plenamente…
Artistas, amantes e heróis vencem o desafio final da vida: plenos e únicos superam a morte porque mudaram o mundo.
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
Sem comentários:
Enviar um comentário