quinta-feira, abril 19, 2012


O Sr. P. abriu um caderno de papel quadriculado, que para isto de coisas científicas não serve o caos da folha lisa e não basta o rigor da linha horizontal - a ordem deve ter um aspecto de geometria cartesiana.
Escreveu cuidadosamente: 

O Tempo é um conceito que mede a repetição das voltas ao Sol ou da Terra sobre si própria. 

Ou também da dor: 
do tempo que demora a passar (geralmente medido em múltiplos das voltas ao Sol) ou dos ínfimos momentos em que se provocam (medidos quase sempre em fracções sexagesimais das voltas da Terra sobre si própria).

Já a saudade é um fio elástico que tanto une dois pontos distantes no espaço ou dois pontos espaçados no tempo: 
seja como for quanto mais esticado esse fio da saudade estiver mais se puxa um ponto ao outro (sendo que a força que exerce cada ponto é proporcional ao amor sentido pelo ponto oposto em relação a esse ponto) e assim pode suceder que:

1. Ou os pontos são irremediavelmente atirados um ao outro ( e aqui o ponto de chegada será a diferença entre as forças exercidas pelos pontos, logo a distância percorrida por um ponto em relação ao outro será proporcional à diferença da quantidade de amor de ambos os pontos) e o fio fica lasso e deixa de exercer pressão ou de ter utilidade.

2. Ou um dos pontos larga o elástico deixando-se de se sentir a força de tracção do elástico (ou seja de se sentir a falta do outro ponto). Ora neste caso a força de tiro do elástico sobre o ponto que ainda segura o elástico (quem ainda ama) será calculada, como no ponto anterior, com base na diferença entre as forças exercidas por ambos os pontos no instante preciso que antecedeu o momento em que o elástico foi largado (isto é mais uma vez a diferença do amor entre esses dois pontos). 

O Sr.P. cortou cuidadosamente a folha, tirou-a do caderno e enfiou-a no meio das páginas do livro de Física Elementar.



1 comentário:

Anónimo disse...

A meu ver, existe ainda um terceiro possivel sucedimento:
3. A saudade pode levar a que os dois pontos exerçam uma tal força capaz de rebentar o fio elástico. Assim, a parte do fio com que fica cada ponto, deixa de ser saudade e começa a ser memória.