terça-feira, dezembro 02, 2003

Hoje conversava com Joana. O prazer de uma dessas simples conversas de café, onde tranquilamente atravessamos os limbos e as dúvidas que surgem da fluidez, do diálogo, do confronto. Neste caso um prazer mais delicioso, pela curiosidade e pela surpresa de a cada palavra, descobrir mais outra pessoa que me apetece coleccionar e guardar como amiga. Ainda que seja uma pessoa difícil, intensa na forma de discutir as coisas, espremo das nossas conversas muito sumo, e sei – e isso diverte-me um pouco – que se ela ler isto vai se rir cinicamente e vai ser incapaz de acreditar que sou realmente capaz de aprender com ela… Mas fora a fachada ela sabe bem que sim e isso vai irritá-la…
Hoje retenho uma parte mais do que as outras, de uma frase que ela disse, e embora ache que percebo porque a disse, sei que a disse da forma errada. Falávamos dos nossos cursos e das respectivas profissões, e daquilo que são feitas as pessoas com que trabalhamos, e disse-me: “Mas tu fazes parte de uma elite.”. Passada a vontade imediata de querer negar isso, ficou-me a vontade de querer perceber esse olhar sobre os Arquitectos. Tenho uma certeza, que não somos nem uma classe iluminada e nem por sombras somos melhores que outra qualquer. Acho essencialmente que há uma condição muito forte da profissão, que se vai tornando essencial, e provavelmente que contamina todas as actividades que querem lidar com a abstracção e com a poética, que é a necessidade de vivermos num mundo próprio, mental, construção nossa e subjectivo. A necessidade de acreditar nesse mundo e na construção do melhor é parte paradoxal da actividade arquitectónica. É preciso acreditar que a nossa contribuição só pode ser positiva, e essa possibilidade só existe nesses Universos auto-construídos. É contemporaneamente necessidade e frustração, pois logo, devemos, na cristalização de uma ideia imperfeita, crer na sua bondade e partir para enfrentar em tudo um mundo desregulado e uma prática de todo desajustada da megalomania de um mundo criado daquilo que nos anima, para sermos deuses e donos da Ordem. O salto é sempre fatal, mortal sem rede, e caímos sempre na rochosa realidade de um mundo de todos. Todos os defeitos nos caem em cima como o peso de sermos reais. A dor de cada transposição do inventado ao realizado em pedra tem de ser engolida e é essencial de que nesse processo não percamos a crença nos mundos desenhados por nós. É essencial essa crença pueril e infantil do ser capaz de nos sentirmos ridiculamente heróis de um mundo de faz de conta, pois só nesse mundo poderemos operar o projecto. A contaminação do real é deixada para a depuração da obra, e nessa vontade de crença, suponho que está a falsa arrogância, que nos faz parecer elite. Não o somos, é faz de conta, e atormento-me a cada projecto. Mas o brilho nos olhos do sentido de acreditar, sei que não o posso perder nunca, por ética profissional e pelo prazer que me dá a disciplina que me deu um filtro para entender o Mundo. Não somos elite. Somos uma frustração cíclica, mas obriga-nos a escolha da Arquitectura a acreditarmos sempre, sobre a fatídica pena de nos tornarmos maus profissionais. Mas de tudo isto nem sequer tenho certeza…
Fica isto de esclarecimento e agradecimento à Joana.

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