quarta-feira, janeiro 28, 2004



Senti agora levantar-se uma barreira enorme. Algo de gigantesco que ultrapassa de longe a minha microscópica escala. Nunca tive de olhar tão para longe para te ver. Esforço os sentidos para te poder destinguir por entre um ruído enorme e ensurdecedor que só hoje se levantou. Confunde-me... Dispersa-me e corro em todas as direcções quase com a certeza de que não estarás em nenhuma delas. E hoje foi quase a Catástrofe, apenas porque nunca quis tanto revelar-me. Um medo de perceber que o ruído é tão somente música que tu ouves na tua vida e eu não consigo, como se jogasses com outras notas ou outro tom. Seja como for algo a que eu não acedo. E corro à procura em todas as claves. Fico cansado, mais pesado, mais feio e mais eu. Vou suando a vontade por todos os poros minúsculos e o corpo dorido pede para parar, e a alma esvaziada pela pele já nem fala. Respiro sentado na poça do meu suor e olho mais uma vontade descartada escorrendo por um bueiro e penso que por ter desistido, aquela força não merece melhor caminho do que o do lixo. Escorrendo para um subterrâneo onde desaparece da minha vista. Mas eu sei que estará para sempre debaixo do chão que piso.

Bate-me o sol nas costas e sorrio, mas não me esqueço de ti. Sinto-me apanhado, como se não pudesse sorrir por não te ver. Mas o sol complacente toca-me e diz-me que sou pequeno, minimizando-me e à dor. Diz-me que tudo passa e é como um pai que me abraça e me beija a ferida. Eu choro e tenho os olhos doridos. A pele melada das lágrimas, pegajosa. A garganta funde-se e fecha-se, engole nada e o pai toma-me como me pegava o meu pai. Sinto-me pequeno e nessa pequenez sinto-me mais protegido. Sinto as lágrimas na boca e com as costas aquecidas pela estrela ouço-me dizer que tudo passa. E nada passa.

Sem comentários: