[Michelangelo - Pietà Rondanini]
...
Precisava dizer isto, e acho idiota dizer-to: estou a ficar com os olhos duros. E se te perguntas - duros? - sim, como pedras... cada vez mais opacos.

- Estou com os olhos a ficar em pedra.
e tu dizes que estou tolo, que coisa estúpida de se dizer: insisto - como pedras, sedimentando-se com a pressão das camadas.
É tão fácil de perceber: Olhos a transformar-se em pedra - grito.

Encolhes os ombros não percebendo - Olhos em pedra?
- olhos em pedra: e eu vejo tudo mais opaco.
Só te ris mais uma vez até que confesso que tenho medo... - um dia ficarão completamente sólidos, sáxeos, dois seixos inutilmente deixados na órbita da minha caveira.

- O medo fez-te acreditar
E eu não sei porque se está dar esta transformação, sinto-a, uma dor solidamente real, um processo fisiológico e sinto: - quando giro os olhos à volta, sinto areia entre a pupila e a pálpebra, quando esfrego com as mão sinto a vista dura.
E também sinto que vejo menos e não to digo, ou que me angustia que possam cair um dia...

Quem me ouve assim afasta-se do tolo, condescende, e acelera o passo porque todo o ridículo poder ser real.

Tenho na mão duas estalactites para te dar, saídas dos sacos lacrimais petrificados nos anos em que estive sentado sozinho:
- desde que foste embora.

Prova que o meu medo era real e não me quiseste salvar...