O senhor P. arrumou as páginas todas escritas num monte meticuloso... Estava escrita a sua biografia!
O título só podia ser tão óbvio como a vida que acabara de escrever: "Cronofagia"
E assim, tacitamente, o senhor P. acusou, como sempre fazia, a ditadura do tempo de tudo o que ele não foi.
Era difícil perdoar o tempo: mas mais difícil era perdoar-se a si...
Antes de se levantar e apagar a luz sobre a mesa só pôde murmurar: Autofagia, senhor P., Autofagia...
Mas como todo o animal que se preze se sente impelido à sobrevivência, Cronofagia manteve-se inalterado e perpetuou-se a mentira redentora do Senhor P., em tinta sobre papel.
2 comentários:
Este é um dos mais espectaculares que já escreveste.
Também sinto muitas vezes esta nossa tendência para a autofagia e para depois se acabar por culpabilizar o tempo.
O que passou e o que não deveria ter passado e achar que, de vez em quando, o tempo bem que poderia voltar atrás...
Bjs,
M.
Tentamos devorar o tempo e o tempo o que nos devora. No final, nem sequer resta de nós o que escrevemos: resta só o que os outros lêem.
Enviar um comentário