- Voltaste rápido - disse o Sr.P. desalentado.
- Não consigo, ainda.
- Palavra bastante covarde.
- E já vim tarde.
- Chegar atrasado a ti próprio, eis o conceito mais definidor
do que és e do que tens para oferecer-me. De certeza que não preferes segurar
essa caneta um pouco mais?
- Não. Aqui está. Devolvo-ta que faz-nos melhor que a
empunhes tu. Pelos vistos esse líquido que corre na caneta sai da tua pele.
- Que é a tua mascarada com tinta.
Pouso a caneta sobre a secretária e finjo-me indiferente à
verdade provocatória. Quando me aproximo repara no saco que trago:
- Mais sal? - pergunta-me cinicamente.
- Sim, é mais sal.
- O irónico da salga é ser um tipo de cura, de conserva. Mas apenas neste abstracto mundo da semântica, que só existe daquela porta para dentro: a fingir.
Pouso o saco como um desabafo. O Sr. P. abre a fatídica
gaveta onde um dia depositei o coração para que não me incomodasse e deita-lhe
mais sal. Faz um esgar escrupuloso sobre o coração salgado e devolve-me o saco
vazio:
- Finjamos mais um pouco então...
- Finjamos mais um pouco então...
2 comentários:
Agora sei porque o meu coração apodreceu. Falta de sal.
Ou de uso!
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