domingo, março 16, 2008















[Júlio Pomar - D.Quixote e os carneiros]

Tinha um amigo que não gostava de passar ao lado esquerdo das pessoas quando o Sol lhes batia do lado direito ao fim de certas manhãs da Primavera: esse sol fazia projectar uma sombra tão pouco distorcida que lhe parecia ser essa sombra apenas outra parte da pessoa. Dava-lhe a incerteza de que a magoaria se a pisasse. Ele, por sua vez, achava isso tudo demasiado idiota e divertido e, não raras vezes, quando reparava, da sua janela, que as sombras das pessoas se punham a jeito, convidava o amigo para passeios em ruas largas e por onde o sol podia indiscretamente revelar essas sombras que tanto assombravam as preocupações do seu camarada.
Ria-se tanto do esforço que ele fazia para evitar pisar essas sombras e da angústia estampada naqueles olhos que preferiam passear nos dias nublados...

Certo dia em que passeava sozinho nessas horas de angústia para o seu amigo, passou por cima da sombra de um desconhecido que soltou um grito de dor enquanto a sua sombra se agarrou, agonizada, ao tornozelo.
Afastou-se envergonhado pedindo desculpas. Desde esse dia que a sua sombra vai sempre no passeio do outro lado da rua em que ele caminha...
Não há nada que envergonhe mais a própria sombra que o desprezo pela sombra dos outros!

Sem comentários: